Quando eu era pequena,
imaginava muitas coisas. Me perguntava qual era a religião correta, pensava se
tinha alguém no mundo fazendo exatamente a mesma coisa que eu no momento,
jurava que tinha ido ao casamento de meus pais e que fiquei escondida debaixo da
mesa o tempo inteiro. Jurava de pés juntos.
Mas uma coisa eu pensava
e me intrigava com isso: como as pessoas viviam nos países em guerra em meio a
tantas armas e explosões?
Era 2002. Estourava a Guerra do Iraque. Eu
tinha meus recém completos 7 anos.
Tentava imaginar as
crianças andando em meio aos soldados armados, perdendo amigos e familiares.
Devia ser bem difícil mesmo.
O ano é 2013. Eu estava
fazendo o meu caminho cotidiano para a Universidade. Dois ônibus, cruzando
cidades e até um pequeno mar! Chego ao Rio de Janeiro.
Eu sei, violência
existe em todo lugar. E no Rio não é diferente de nenhuma grande cidade. Eu
sempre passo pelo mesmo lugar, eu já vi coisas tão diferentes, mas também já vi
as mesmas coisas. Já vi policial correndo atrás de adolescente que tinha feito
roubo, já vi acidentes de trânsito, já vi uma multidão tentando ir trabalhar em
dia de greve de ônibus, já vi dezenas de pessoas completamente prisioneiras do
crack. Eu sempre vejo muitas coisas, mas hoje algumas cenas me chamaram
atenção.
Me chamaram,
essencialmente, porque lembrei dos meus pensamentos de criança.
Ao chegar numa
conhecida Avenida, cujo nome é o de nossa Pátria Amada, vi muitos carros de
polícia. Vi até um agente que vistoriava a mala de um carro, enquanto os
passageiros do mesmo esperavam aflitos. Mas essa não era a questão.
Eu vi soldados, da
Força Nacional. Todos armados com fuzil. Parados em fila, outros aguardando nos
carros. Mas ainda não foi isso que me fez pensar.
O que me fez pensar foi
lembrar a minha inquietação infantil. Eu vi centenas de pessoas cruzando o
caminho com aqueles homens. Eu vi feiras, barraquinhas, mercados, postos de
gasolina que compunham o cenário. Eu via pessoas que saíam de suas casas
correndo e talvez nem os percebessem ali. Mas ainda não foi isso que me chamou
atenção.
Eu vi uma criança. De
mãos dadas com a mãe, uniformizada, com rabo-de-cavalo, mochilinha, tênis
preto. Naquele momento aquela criança me fez lembrar de mim mesma. E sim, ela
devia ter a mesma idade que eu no tempo da Guerra. Eu fiquei imaginando o que
se passava na cabeça dela naquele momento. Será que ela teve medo (como eu
tinha da polícia quando pequena)? Será que se sentiu angustiada? Será que se
sentiu como as crianças dos países em guerra?
Eu não sei e não tinha
como perguntar. Vi tudo aquilo da janela de um ônibus.
Porém essa pergunta não saiu
da minha cabeça. Eu não sei como aquela criança se sentia, mas uma coisa posso
afirmar:
Nós vivemos em guerra,
mas eu ainda não sei bem como me sinto.
* Entre os dias 24 e 25 de Junho, houve confronto entre policiais e criminosos na Maré que resultou em 10 mortes. O texto foi publicado no dia 26.
* Entre os dias 24 e 25 de Junho, houve confronto entre policiais e criminosos na Maré que resultou em 10 mortes. O texto foi publicado no dia 26.